Minha primeira bicicletada
Apesar de ter prestigiado a pé algumas vezes, essa foi minha primeira participação com bicicleta. Após uma revisão geral, a bicicleta que me serviu durante a juventude em cidades mais tranqüilas, finalmente, conhece São Paulo.
Rumo à praça do ciclista, sob uma garoa chata e um frio danado, fui pensando que seria um daqueles encontros de poucos bravos. Chegando, logo me assustei, uma montoeira de gente. Aparentemente, não estavam apenas os ciclistas experientes, diferentes idades e tipos de bicicleta denunciavam a diversidade do movimento.
200 metros após a partida, numa das faixas de pedestres mais movimentadas da cidade, alguém agoniza embaixo da roda traseira de um ônibus. Polícia, bombeiros, ambulâncias, pedestres horrorizados. Seguimos pedalando pelo direito de se deslocar sem violência. A cena não foi uma coincidência, ela acontece a cada uma hora.
O que mais me chamou a atenção durante todo o percurso foram as diversas manifestações de apoio à massa de ciclistas. No trânsito parado da Av. Paulista, diversos carros abriam as janelas e faziam jóia ou davam tchau, outros buzinavam, vários motoristas perguntavam do que se tratava. Descendo a Rua Vergueiro, a seqüência de faculdades à moda shopping center também não foi uma coincidência no trajeto. São construídas às dezenas, próximas de estações do metrô principalmente. Vendem promessas a tantos ansiosos por educação e uma vida mais confortável que estão excluídos das melhores universidades.
Na praça da Sé, 9 da noite, um pequeno estacionamento ao lado da catedral sugeria que gente importante se reunia em alguma sala enquanto seu carro empobrecia o calçadão. Uma viatura policial se aproxima desconfiada. Um ciclista se aproxima, deixa panfletos. Conversam.
Uma senhora com um bolo, uma bolsa e mais umas três sacolas pára ao meu lado. Pergunta o que é. Coloca tudo no chão e começa a fotografar. Que beleza era aquele bolo no meio de uma noite fria bem no marco zero da praça da Sé, aquela mesma onde são experimentadas a vigilância por câmeras, a arquitetura anti-moradores de rua e a impunidade da punição das chacinas.
Quando a senhora avista uma ciclista de branco com a bicicleta cheia de flores, solta “aí, que lindo”, pede ajuda com as sacolas e sai correndo pedir uma foto em frente à escadaria. A naturalidade com que ela se deslocava pela praça com suas coisas deixou claro que para ela, como para muitos, independente da vontade de Andrea Matarazzo, a praça continua praça. Um camburão passa derrapando com rostos de ódio para fora da janela para nos lembrar de algo. Os policiais que ainda conversavam com os ciclistas olham de canto de olho. Fiquei imaginando se o cenário formado era uma coincidência.
No pátio do colégio, crianças correm e gritam atrás das bicicletas. Se tivessem uma… No silêncio da rua Boa Vista pessoas dormem. Na Prefeitura, a prova de que é fácil fazer um bicicletário, as grades que separam o povo de seus representantes fazem as vezes.
No minhocão (fechado durante a noite) a experiência de se deslocar de bicicleta, sem carro algum ao redor, se concretiza. No trecho da General Olímpico da Silveira buzinas enfurecidas. Dois motoqueiros tentam passar por entre os ciclistas. Atacam como são atacados pelos carros. Na esquina da Angélica, em mais uma pracinha que Prefeitura implanta a arquitetura da exclusão, um menino numa bicicleta vermelha com os olhos arregalados vê a multidão passar, seu pai, com o cachorrinho ao lado, sorri. Quase dez horas da noite e passeiam por lá, embaixo do minhocão. Coincidência? Na subida da Angélica, o trânsito de automóveis teve que esperar a subida das bicicletas.
Na manhã seguinte vou até uma livraria no Conjunto Nacional, deixo a bicicleta no estacionamento e paro para comprar uma água. A moça pergunta se o capacete é de bicicleta. “Ontem um monte de gente estava levantando as bicicletas no meio da Paulista, sei lá, parecia que iam jogar, não sei o que era, pareciam uns loucos”. Explico a manifestação e digo que estacionei bem ali, embaixo da loja. A colega dela se aproxima, faço o convite para a bicicletada e falamos do “acidente” da noite anterior, era um motoboy.
Uma noite sem coincidências.
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Atualização:
Esqueci algo que chamou minha atenção. À noite, a pé pela cidade, estamos acostumados a esperar muito pelo ônibus. De bicicleta foi possível passar por vários pontos de ônibus, um novo ponto de vista. Todos os pontos cheios! Fora da Paulista (que é servida de metrô) passamos por poucos ônibus. A “cidade que não pára” não tem transporte público de madrugada e às 22h as pessoas já definham nas paradas. Tratá-las com deferência estes companheiros é essencial.
[…] Minha primeira bicicletada « Panóptico em 02 Jun 2008 às 1:21 […]
Placas, pessoas, praças e ruas - bicicletada em são paulo, maio « apocalipse motorizado
junho 2, 2008 at 13:33
Bem-vindo, esperamos contar mais vezes com a sua presença.
Seu relato é formidável!
Leonardo Cuevas
junho 2, 2008 at 15:17
Gosto muito dos seus posts que recebo via rss. Parabéns!
Nino
junho 2, 2008 at 20:53
Parabens pelo POST, sensacional!!!!
Felippe César
junho 2, 2008 at 20:58
Seja bem vindo, obrigado pelo relato, cada um vê certas coisas, sente sentimentos diversos ao participar, mas parece que o sentimento bom é algo que é comum a todos nós, uma abraço,
Matias
Matias
junho 4, 2008 at 17:32
Na próxima avise os pobres e desavisados também, nunca participei, será que posso entrar pro time?:D
Abraço!
Cassimano
junho 5, 2008 at 16:14
[…] e fotos – falanstério relato e fotos – panóptico relato e fotos – […]
Bicicletada de maio « gira-me
junho 5, 2008 at 22:07
Cassimano, demoro!
Aí finalmente a gente concretiza aquela pedalada juntos.
Toda última sexta-feira do mês.
Vai ter que pedalar da ZO até a Paulista, dar o rolê e ainda voltar pedalando! Aí eu quero ver!
abraço
panoptico
junho 6, 2008 at 9:51
Nossa, você repassou quase tudo! Que delícia de lembrança! Venha mais vezes pedalando….
Chantal
Chantal
junho 6, 2008 at 20:35