O culpado da vez
Folha de S. Paulo, 25/05/2008, parte inferior da capa
O prefeito de São Paulo e seu secretário de transporte têm que responder ao hype implantado – mas não inventado – do trânsito na cidade.
Medidas paliativas que estão em discussão há tempos, como pedágio urbano e expansão do rodízio, foram descartadas. Ano eleitoral. Resolveram brincar com o fogo da macroeconomia. Deixaram os entregadores de mochila e capacete quietos (por enquanto) e decidiram mexer com os entregadores de chinelo e camiseta regata para não trombar com os motoristas da classe média paulistana.
Uma mãe leva o filho até a escola, são dez quarteirões. Poderia fazê-lo a pé, mas de carro é mais fácil. O tempo é curto e ela prefere aguardar na fila dupla oficial de mães e pais na porta da escola. O trânsito é um problema na vida dela, assunto diário, gera despesas e estresse mas ela nunca pensou em caminhar com o pequeno até a escola, isso é coisa de criança pobre; nunca pensou em mandar o pequeno sozinho a pé, isso é coisa de criança descuidada. Ela acha que o carro é indispensável e que o trânsito é um problema.
Um caminhoneiro vem de Minas Gerais trazendo queijo. Ele causa trânsito. Outro caminhoneiro traz farinha do interior de São Paulo. Outro colega traz café. Causam trânsito. Logo estarão proibidos de circular pelo centro expandido da cidade durante o dia. Terão que se virar de madrugada.
Talvez o cafezinho antes de ir para escola fique mais caro. Organizar um novo sistema de distribuição e contratar trabalhadores para a madrugada não é de graça. Isso não vai deixar a classe média sem manteiga no pão mas vai deixar o café de quem conta as moedas e não tem carro mais amargo, já que o açúcar ficará mais caro.
O clima da proibição vem sendo preparado pela imprensa. Um ambiente amigável é sempre parte da tática de mudanças como essa. Os folhetins são diretos, os jornais “independentes” têm que ser discretos e produzir matérias que os isentem.
No último domingo, a Folha de S. Paulo deu capa para uma matéria que “denunciava” que a CET demora uma hora para remover um caminhão quebrado das ruas. Em vez de dizer isso e apenas se passar por garota-propaganda de um plano municipal absurdo, preferiu estampar “Quebras param trânsito por 1 hora em SP” e evidenciar sua alma de folhetim de bairro.
Relacionados:
SETCESP apresenta propostas para aumentar a mobilidade urbana, artigo, SETCESP
Os carros atrapalham os caminhões, artigo, Apocalipse motorizado
PS. No Rio a idéia da restrição de distribuição está mais avançada
A “matéria” da Folha é nojenta, mas essa da “Gazeta de Pinheiros” parece panfletinho nazista. Eu hein!
A comparação com a mãe (ou pai) da fila dupla é precisa. Eles não “atrapalham o trânsito”, coitados, estão fazendo o que precisam.
Afinal, como diz o mantra-alívio-de-consciência da classe média, “as ruas da cidade são muito perigosas e o transporte público é muito ruim”.
Sobre a Folha, tanto as fotos de capa quanto a matéria estão rodeadas de propagandas de automóveis, confirmando a tirinha do malvados: http://www.malvados.com.br/index1141.html
luddista
maio 27, 2008 at 11:30
É, o “Azera” não causa trânsito e o Felipe Massa não tem nada a ver com a cultura velocidade-muito-macho
panoptico
maio 27, 2008 at 11:37
[…] Rebouças O culpado da vez Esta entrada foi escrita por luddista e postada em 27 de Maio de 2008 at 13h34 e arquivada em […]
Espelho ou lanterna? « apocalipse motorizado
maio 27, 2008 at 13:34
Excelentes colocações.
Só espero que os caminhoneiros não optem por “parar as ruas” e protestar com interdições parciais e coisa e tal…
Deveriam ir pelo caminho dos argentinos e boicotar o abastecimento.
É proibido, então tudo bem, caminhões na garagem e ‘trânsito livre”… Só assim talvez os automobilistas se toquem que o problema é outro!
João Lacerda
maio 28, 2008 at 1:08
Não leve como uma Crítica……..
Mas você nem comentou das Bicicletas e do transporte público, programas de carona também são bem agradáveis …….
As alternativas são várias….. eu por opção … tomei como alternativa só sair na rua de madrugada …. de dia, não saio, não entrego nada, não recebo nada ….. Algumas pessoas com quem trabalho já se acostumaram a deixar CD’s e DVD’s com o segurança pq sabem que antes das 2h da manhã não tem jeito…..
Bom…..
Sexta tem bicicletada na Paulista !
abraço
hafogo
maio 28, 2008 at 12:33
Oi, Hafogo.
Vc tem razão, mas como não dá para abordar tudo num artigo só, o jeito foi destacar a matéria da Folha como um exemplo da preparação midiática à restrição e colocar um comparativo claro entre motorizados – mãe (benefício privado) vs. caminhão (benefício comum).
valeu o comentário. sexta pretendo estar lá!
abraço
panoptico
maio 28, 2008 at 13:50
Caro Panoptico,
Como não entro no site sempre, é um prazer poder ler várias de suas postagens de uma vez, como acabo de fazer neste instante. Volta e meia fico com vontade de escrever parabenizando, então faço isso nesta brilhante reflexão sobre os caminhões. Está perfeito, sucinto, incisivo, direto!
Parabéns por este texto e todos os demais.
E agora acabo de assinar o RSS, para não perder mais nada…
Abraço.
Umcarroamenos
junho 1, 2008 at 19:49
valeu a força, Umcarroamenos!
panoptico
junho 2, 2008 at 13:48
[…] pelo serviço, de ignorar sistematicamente o caos nos corredores de ônibus da periferia e de considerar os caminhões a causa principal do trânsito da cidade, o atual prefeito nos dá mais um exemplo de suas prioridades: O prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP) […]
Para deixar bem claro « Panóptico
junho 3, 2008 at 11:58
[…] legitimação da idéia de que são os caminhões os grandes vilões do trânsito contou com a importante ajuda de dezenas de matérias prévias na mídia corporativa e, principalmente, dos universitários motorizados e das mães e […]
A cidade está tranqüila « apocalipse motorizado
julho 18, 2008 at 19:35
[…] aula de balé…), a semana do paulistano motorizado teve um novo-velho vilão: a chuva. O culpado da vez Mais barulho nas madrugadas Os carros atrapalham os caminhões Amém, automóvel Esta entrada […]
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agosto 9, 2008 at 17:44
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