Garotos e garotas da bolha
Uma grave doença vem se espalhando no ambiente urbano controlado pelo capital. Famílias inteiras sofrem com os sintomas desta que já se considera a pior epidemia urbana desde o último surto de peste no século XIX.
A classe média parece ser a população com menor resistência à doença. Em muitos casos os infectados são obrigados a viver dentro de bolhas. A bactéria se aloja em empreiteiras e construtoras que se alimentam basicamente de licitações fraudadas, lobbies municipais, especulação violenta e outras artes. Todas construtoras, já constataram os infectologistas que cuidam do caso, tomam dinheiro emprestado dos próprios clientes para construir e dizem às famílias que se trata de “parcelamento do imóvel na planta”.
Os principais transmissores da doença são imobiliárias e corretores contratados. A falta de nutrientes essenciais ao homo sapiens e a exposição excessiva à mídia corporativa e à publicidade exploradora da insegurança das almas são considerados fatores que aumentam o risco de contaminação.
Habitantes de Springfield tentam escapar da redoma. Cena de Os Simpsons, O Filme.
A doença – só que invertida – foi tratada no estilo humor do absurdo no filme Os Simpsons. No filme, Homer Simpson causa um desastre ecológico e, para evitar maiores danos, o presidente ordena o isolamento da cidade. Todos os cidadãos de Springfield são abandonados à própria sorte (…a empresa do assessor do presidente é contratada para garantir o isolamento).
No mundo real os cidadãos tratam de se isolar da sociedade voluntariamente, deixando do lado de fora da sua cidade particular a violência e tudo que os amedronta. Acreditam que uma redoma de vidro impenetrável os protegerá da fome, da doença, dos assaltos, do trânsito e de todo horror do mundo.
A publicidade, como um velho malandro 171, conhece seu alvo e ataca diretamente seus pontos fracos. O medo de descer um degrau na escala de status social, o medo de expor sua ignorância, a vontade de parecer com seus ídolos anônimos ou famosos e de mostrar seu suposto crescimento aos colegas fazem parte do estratagema da publicidade voltada para a classe média.
Centenas de ilhas da fantasia, parques privativos e redomas blindadas formam algo monstruoso. Um local onde apenas há avenidas, shoppings center e condomínios com seus “portais” onde os carros entram e não se sabe mais nada sobre esta cidade dentro da cidade e seus habitantes – como eles vivem, o que comem, como se reproduzem… Temos, assim, um mundo dentro de um mundo, estranhos, o começo do fim do que se chama de sociedade.
Enquanto os recursos dos fundos públicos sustentados por milhões de trabalhadores são usados para construção destes fortes de proteção contra a fealdade do mundo, seus financiadores continuam pagando por aluguéis irreais em bairros do lado de fora da bolha. Abandonados à sorte da especulação imobiliária, ainda são obrigados a tolerar o discurso da “revitalização”, a maquiagem urbana utilizada para que os habitantes das redomas possam sair de vez em quando e não terem que se deparar, a caminho do teatro, com a bestialidade da pobreza.
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novembro 17, 2007 at 11:58
Boa reflexão.
Mas como a gente muda isso?
Será que basta acabar com a publicidade?
Que alternativa existe ao “capital”? O socialismo morreu pela própria incapacidade das pessoas (seja pelo poder corrompido ou pela insatisfação das pessoas).
Que sistema novo a gente vai propôr para mudar isso tudo?
Madu
novembro 22, 2007 at 7:54
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julho 28, 2008 at 12:35
Sensacional este post, que consegue retratar com mestria a realidade dos novos-ricos, condomínios, suvs, playstations e ares condicionados. Há quem reclamar a rua, reclamar o que é por direito nosso e dos nossos filhos.
Bem haja pela sagassidade e capacidade de causar o desassossego.
abraço
Gonçalo Pais
julho 29, 2008 at 11:13
quero saber do método shel
daniel muteca
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